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Na Nigéria, uma geração roubada

Texto: Nayá Fernandes

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte

Uma quer ser médica, a outra trabalhar na mídia, mas há quase dois meses, elas estão sequestradas junto a outras 221 meninas nigerianas. O responsável pelo sequestro foi o grupo islamita Boko Haram. As meninas estavam em um colégio interno da vila de Chibok, no estado de Borno, noroeste da Nigéria, quando homens armados as levaram forçadamente e, desde 14 de abril, estão em cativeiro.

Na segunda-feira, 9, outras 23 mulheres foram levadas de um acampamento também em Chibok. 55 conseguiram fugir e algumas contaram que as companheiras têm sofrido abusos sexuais frequentes.

Mull Katende, embaixador de Uganda nas Nações unidas informou na sexta-feira, 6, que a União Africana reforçou as buscas. O motivo para a discrição sobre o sequestro, segundo as autoridades nigerianas, é o medo de que o fato possa provocar uma guerra. O Embaixador disse, porém, que os esforços para a libertação das meninas continuam, com a colaboração de muitos países, embora a questão não tenha uma grande mobilização mundial.

A situação, porém, continua crítica e há vários boatos sobre o destino delas, como, por exemplo, a venda por US$ 15 no Chade e na República dos Camarões ou sido forçadas a se casar com os sequestradores, que pagaram US$ 12 por uma noiva. A maioria delas tem até 18 anos, é filha de camponeses e estuda em uma das poucas escolas da região. Segundo as investigações, as jovens foram divididas em grupos menores, espalhadas pela região da floresta de Sambisa, uma mata densa que tem 60 mil quilômetros quadrados.

O sequestro expôs ao mundo a ação de um grupo que age em nome de uma suposta “guerra santa”. Eles estão contra o modelo de educação ocidental e promovem o conceito de que o lugar das mulheres é em casa. Atualmente, o grupo opera como uma guerrilha, mas já possui características de um exército regular. Porém quando surgiu, em 2002, era uma seita religiosa islâmica.

Quanto antes, melhor

Martina Brunamonti, psicóloga e voluntária em ações sociais de animação infantil e juvenil, trabalha em Roma e conversou com O SÃO PAULO sobre os principais efeitos psicológicos na vida de uma criança ou adolescente que foi sequestrada e abusada durante um período prolongado.

A reportagem questionou sobre a possibilidade de uma vida feliz, no caso de conseguirem se salvar. Será possível reconstruir? “O fato é que o trauma seguirá por toda a vida de maneira diferente em cada uma delas”, salientou Martina.

“Mesmo sendo um drama tão violento, será sortuda aquela que se salvar primeiro. É mais fácil remover alguns processos mentais danosos se eles ocorrem por períodos breves”, explicou a jovem psicóloga.

Martina salientou ainda que é mais difícil se o trauma acontecer na idade em que os processos mentais e os cognitivos que incluem a memória já estiverem formados. “É algo bem delicado. Mas creio que, em ambos os casos, se pode superar. Há uma salvação da vida porque certas situações assim absurdas acionam-se estratégias de sobrevivência, como a resiliência.”

A resiliência é um fator protetivo que algumas pessoas, em situações de vida extremas, colocam em ação para sobreviver. É um recurso de escape. “A resiliência é quando as pessoas creem e esperam em qualquer coisa melhor, uma espécie de automotivação”, continuou.

“O trauma existe e existirá para sempre”, afirmou Martina, que ressaltou ainda o fato de que, ao serem sujeitos de uma deformação afetiva, as meninas podem ter dificuldades para de desenvolver a arte de amar. “Poderão até rejeitar qualquer forma de relação. Depende muito do tempo de duração do trauma e da idade em que ele acontece.”

Amizade que nasce da dor

Interessante pensar que elas se tornem amigas. Uma amizade que nasce quando se partilha a dor de estar longe de casa, de ser abusada, explorada e talvez, impossibilitada de continuar estudando. Após uma eventual fuga, a relação de amizade que seria positiva, ao invés disso, pode se tornar uma espécie de rememorar do trauma?

“É só pensar nas pessoas que estiveram nos campos de concentração. Acredito que o efeito de uma possível amizade é muito similar. Não há nada mais forte que liga duas pessoas, pois assim, não se sentirão sozinhas. E isso é uma coisa que as manterá unidas para sempre. Não existe nada mais saudável, poderíamos dizer, até mesmo, seria uma única luz”, explicou Martina.

Mesmo num contexto dramático, a psicóloga afirmou que as meninas conseguirão transformar o trauma em dom se forem livres. “Estou certa que isso acontecerá. É óbvio que certas coisas demoram anos. É uma situação dramática. Muitos entulhos que podem vir para fora. Mas a força, mesmo num momento limite, é uma característica própria delas.”

(Com agências)

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