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Por que você tirou meu coração?

Nayá Fernandes

Em Santa Maria (RS)

Reportagem publicada no jornal O São Paulo no dia 27 de maio a 2 de junho de 2014

“Esse é meu filho. Ele estava vivo, ele estava vivo”, contou emocionada Deocleci Inês Turra Kraulich, a mãe do Bruno Kraulich, 29, que morreu na tragédia da boate Kiss em 27 de janeiro de 2013 em Santa Maria (RS). Enquanto falava, ela mostrava a foto de uma revista de circulação nacional em que seu filho era carregado nos braços.

Bruno não sofreu queimaduras, morreu devido à fumaça tóxica provocada pelo incêndio e antes de ser tirado da porta da boate, ele salvou uma jovem que conversou com Deocleci e agradeceu o gesto do filho. Pela casa, as muitas fotos do filho espalhadas pela casa demonstravam a saudade e, ao mesmo tempo, a presença.

A gaúcha de Santa Maria tem uma filha e uma neta que moram com ela. O marido ela perdeu há sete anos num acidente de carro e agora, está lutando contra um câncer de mama. “O Bruno era meu braço direito. Depois que o pai morreu ele me disse: ‘Mãe, não chore. Eu vou cuidar de você’.”

“Tivemos que nos mudar depois que meu marido morreu e foi ele quem cuidou de tudo. Pedi que a gente não se afastasse muito do santuário, porque lá é meu porto seguro”, disse Deocleci, referindo-se ao Santuário da Mãe Rainha.

“No Natal, o Bruno e eu fomos comprar algumas coisas para a ceia e passamos em frente à boate Kiss: ‘Mãe, de vez em quando eu venho aqui’. Mas eu nem sabia o que era a Kiss e só depois me lembrei desse fato. Meu filho era formado em agronomia e, naquele dia era a festa dos agrônomos e um deles estava aniversariando. Antes de sair ele apareceu na porta do quarto e perguntou se estava bonito. Eu respondi que sim, mas que a minha opinião não valia tanto”, narrou a mãe.

Então, Deocleci foi dormir e nem viu o filho sair. “Acordei com os amigos dele buzinando aqui embaixo às 5h. Eles me disseram que tinha acontecido “uma coisa bem terrível”. Desde então, comecei a ligar para o celular dele, que tocava, mas ninguém atendia. O pior não era saber se ele estava vivo ou não, mas nem saber onde estava o corpo. Fiquei sabendo que ele estava morto às 14h, mas ninguém sabia dizer nada. Depois vi que no celular dele tinha uma mensagem: ‘Bruno, vem pra cá, porque aqui está melhor’. Devia ser de um amigo dele”, contou.

No quarto em que Bruno dormia está um banner com o nome dele. “Ele escolheu este quarto, quando nos mudamos pra cá, porque aqui tem uma bela vista da cidade.” Ao ser questionada sobre a maternidade após a perda de um filho, Deocleci disse que “espera cumprir sua missão aqui na terra para se encontrar com o filho”.

“Se não fosse minha comunidade, que é o primeiro socorro que me veio, eu estaria sozinha. As considero como irmãs. Agora é o momento mais difícil, porque no início, no meio da confusão, eu nem percebia o que tinha acontecido direito. Ainda hoje, me pergunto se tudo isso é verdade e passo muitos conflitos. Às vezes culpo Deus, porque sou um ser humano e, muitas vezes me pergunto: ‘Por que você tirou meu coração?’. Mas hoje tenho uma fé mais madura. E sei que todos nós vamos morrer”, expressou Deocleci.


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